sábado, 21 de novembro de 2009

Ponto e Vírgula

Um tipo bonito, bem apanhado, com uma certa fluência verbal, tem boas condições de se dar bem e prosperar na carreira de vendas. Se agregar a esses dons naturais, conhecimentos sólidos de seu produto, informações sobre o mercado em que atua, certamente se sairá a contento.
Para o Celso certamente foi mais difícil. Baixinho, além de ser gordinho e roliço, tinha um defeito físico, seqüela da poliomielite na infância. Caminhava de forma estranha, firmando-se sobre a perna sã e atirando a outra para a frente, que fazia um trajeto similar a uma meia lua. Tinha que apoiar o braço na coxa fina da perna doente, curvando-se para o lado, antes de dar um novo passo.
Junte-se a isso, a calvície prematura e os cabelos mais longos de um lado, cuidadosamente penteados para o alto, fixados com muito gel, na vã tentativa de esconder a careca.
No entanto, dono de uma personalidade forte e de uma férrea vontade de vencer, abraçou a profissão de vendedor. Sem qualquer resquício de complexo por sua deficiência, era um sujeito alegre, bonachão, sempre sorridente. Na empresa em que trabalhava era tido como um dos melhores vendedores e ninguém duvidava de sua competência profissional.
Fora do expediente era um gozador. Adorava tirar sarro dos outros embora, com seu problema físico, fosse um alvo fácil para as piadas dos amigos.
O apelido surgiu não se sabe de onde. Um dia alguém brindou-o com aquela alcunha que agregou-se ao seu nome: Ponto e Vírgula, numa direta alusão ao seu andar manquitolante.
Ele mesmo riu muito do apelido. E chegou ao cúmulo de deixar recados para os clientes com a assinatura: Celso “Ponto e Vírgula”. Não dava a mínima.
Não se considerava um deficiente físico. Trabalhava, estudava, levava uma vida normal.
Não era dependente de ninguém.
Tinha um sonho. Conseguir comprar um carro automático, que lhe permitisse dirigir. Nos veículos comuns isso não era possível. A perna defeituosa não obedecia e, dificilmente, seria aprovado no exame. Mas isso só lhe servia de estímulo para lutar ainda mais. E se dedicava cada vez mais ao trabalho e aos estudos.
Todos acharam que estava maluco quando, uma vez, ao sair de férias, comprou uma prancha de surfe. E lá se foi para o litoral. E tanto insistiu e tentou que, depois de muitos tombos e de engolir muita água salgada, conseguiu, finalmente, equilibrar-se sobre a prancha e surfar. Todos os dias, cedo da manhã, lá estava ele a beira-mar, com a prancha a tiracolo, bronzeado como um “menino do Rio”. Ficava engraçado com aquelas enormes bermudas de surfista. Como era muito simpático e comunicativo logo enturmou-se com a rapaziada. Um figuraço.
Voltou das férias bronzeado e com um monte de fotografias para mostrar aos amigos suas proezas. A turma gozou quando viu suas poses, na areia, com a prancha de surf, mas calou-se boquiaberta ao ver as imagens que o mostravam cavalgando as ondas, com a habilidade de um surfista profissional. E passou a admirá-lo e respeitá-lo ainda mais.
Certa vez recebeu a incumbência de visitar um novo cliente. Estudou o caso, preparou cuidadosamente um port-folio e para lá se dirigiu. Depois de esperar numa ante-sala foi atendido pelo comprador. A entrevista decorreu normalmente. Como havia estudado antecipadamente as necessidades do cliente, encerrou a conversa com o negócio praticamente fechado, restando apenas alguns detalhes finais a acertar. Despediu-se e rumou para o elevador. Depois de esperar muito, foi avisado por uma funcionária que o elevador havia enguiçado e que deveria usar a escada.
“Menos mal que é descida. Pra baixo todo santo ajuda!” – pensou.
Começou a descer com cuidado. A escada estava movimentada, muita gente subindo e descendo, todos apressados.
Celso mantinha um braço apoiado ao corrimão enquanto o outro sobraçava o pesado port-folio e carregava a pasta. E descia lentamente, atrapalhando os demais que, alheios a sua dificuldade, subiam e desciam.
De repente alguém esbarrou nele. Desequilibrou-se, tentou firmar-se sobre a perna deficiente inutilmente. Rolou escada abaixo, levando de roldão algumas pessoas que tentavam ajudá-lo. E estatelou-se lá embaixo, no hall de entrada do prédio, a pasta e o port-folio abertos, espalhando papéis pelo chão, que eram pisoteados pelos que passavam.
De quatro, juntou os papéis, auxiliado por algumas pessoas que, solícitas, o ajudaram a erguer-se. Recomposto, encarou os muitos rostos a sua volta, colocou os documentos sob o braço, tomou a pasta nas mãos, olhou com cara de bravo os curiosos que riam de sua triste situação e vociferou:
“Que é que foi? Que é que estão olhando? Cada um desce como quer!”
Encheu o peito e saiu mancando, cheio de razão, como se nada tivesse acontecido.
É. O “Ponto e Vírgula” era um figuraço.

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