sábado, 21 de novembro de 2009

Pescaria

João Batista era o único da turma que não gostava de pescaria. Mas os amigos tanto insistiram que ele resolveu ir junto. Saíram cedinho de Porto Alegre em direção a Lajeado e, perto da entrada para Taquari, saíram da rodovia e pegaram uma estradinha de terra. Minutos depois estavam às margens de um riozinho de água avermelhada mas muito calma.
Pararam a kombi sob uma árvore frondosa, tiraram toda a tralha e espalharam em volta do que seria o “acampamento”.
Enquanto os amigos iam para o rio com caniços, iscas, anzóis e demais apetrechos de pesca, o Batista pegou um jornal e acomodou-se no banco traseiro da kombi, antegozando o dia tranqüilo que teria. Mexendo nos bolsos percebeu haver esquecido os óculos. Teria que se contentar com as manchetes. Não conseguia ler as letras menores. Mas o dia estava agradável, fresquinho como costumam ser as manhãs de primavera e, em poucos instantes, o Batista dormitava, embalado pelo canto dos pássaros, pelo murmurejar das águas do rio. De vez em quando despertava com as vozes dos pescadores para, logo sem seguida, voltar a cochilar.
Quando o sol já ia alto , começou a esquentar dentro da kombi, fazendo-o acordar suado e com sede. Ouviu distante as vozes dos amigos e resolveu surpreende-los. Sem precisar procurar muito, encontrou a garrafa de pinga, limões e, em poucos instantes, tinha pronta uma enorme caneca de caipira, preparada no capricho. Só faltava o açúcar. E após procurar cuidadosamente em todas as sacolas constatou que havia esquecido. E agora? Não podia permitir que esse detalhe estragasse aquele dia que se configurava maravilhoso. Os amigos não o perdoariam. Afinal ele ficara encarregado das bebidas e refrigerantes. Trouxera pinga vinho, cerveja, gelo. Como pudera esquecer o açúcar? Logo ele que não sabia fazer nada numa pescaria. Não tinha nenhum dote culinário, não tinha paciência para pescar e morria de nojo de limpar peixe. Após estarem fritinhos e servidos no prato, acompanhados de um arroz soltinho e com uma cerveja bem gelada , eram irresistíveis . Porém não suportava a idéia de tocá-los vivos, menos ainda abri-los com uma faca, limpá-los... Nem pensar! E deixara claro aos amigos que por isso não gostava de pescaria. Mas convenceram-no desde que ele ficasse responsável pelo “trago”. Agradava-o passar algumas horas com a turma. Eram todos bons amigos e pertenciam a mesma equipe. Tinha que descobrir algo para adoçar a caipira.
Lembrou-se que na última reunião percebera que o Américo, um dos colegas, trazia na pasta uns pequenos comprimidos num potinho. Ficou sabendo ser sacarina que o amigo usava no cafezinho para substituir o açúcar pois estava de regime. Por uma feliz coincidência, tinham vindo ao passeio exatamente na kombi do Américo que, cuidadoso como era, certamente não teria esquecido seu potinho de sacarina. Deveria estar no porta –luvas. Tão logo abriu a pequena porta no painel do veículo divisou o minúsculo pote. Parecia um pouco menor do que aquele que vira na pasta do colega. O rótulo estava gasto e, sem os óculos, era-lhe difícil identificar o conteúdo mas, ao abrir o recipiente, percebeu que os pequenos comprimidos em forma de bolinhas eram idênticos ao que o amigo usara para adoçar o café. Pegou alguns e colocou na caipira. Experimentou! Perfeito! Nem muito doce, nem muito azedo. Uma delícia!
Dirigiu-se ao rio e foi recebido com uma ovação. Todos sorveram a caipirinha e não pouparam elogios.
“Ô Batista! Tá uma delícia! Pena que foi pouco!”
Realmente o primeiro caneco fora consumido em instantes. Mas o Batista prontamente o substituiu com um segundo e um terceiro, igualmente geladinhos e deliciosos.
Ao meio dia todos se fartaram com uma bela fritada de peixe, preparada de forma esmerada pelo Denis, um colega recém admitido que gabava-se de ser insuperável na cozinha. O que ficou comprovado por todos que o elegeram, a partir de então, como mestre-cuca de pescarias futuras.
A tarde passou rapidamente. O rio era bastante piscoso e todos levariam uma boa quantidade de pescado para casa, para alegria dos familiares.
Por volta das 5 da tarde todos estavam prontos com tudo arrumado para o retorno. Havia sido um dia e tanto. Partiram todos alegres, prometendo-se uma nova excursão dentro em breve.
Mal haviam percorrido alguns metros o Américo parou a kombi.
“O que houve Américo?” perguntaram.
“Espera um pouco turma. Preciso ir no mato. Tô apertado!” E saltou do veículo apressadamente, adentrando ao mato até perder-se de vista. Após alguns minutos voltou, queixando-se de estar com muita cólica. Mal sentou-se na direção e foi a vez do Denis.
“Nem liga o carro Américo que eu também tô com dor de barriga!” E atirou-se porta afora, embarafustando-se nos arbustos à margem da estrada. E antes do Denis retornar foi a vez do Batista. E nem bem reiniciaram a viagem, novos gritos aflitos pediam que parassem a kombi e, um a um, corriam para o mato sob o pretexto de que estavam “apertados”.
Interrogavam-se: “O que aconteceu? O que foi que nos fez mal?” E a cada parada, enquanto esperavam o que estava no mato se aliviando, questionavam-se sobre o que os afetara daquela forma.
Até que um deles perguntou: “Batista, o que você pôs na caipira?”
“Sacarina que o Américo usa para adoçar café. Encontrei um potinho no porta luvas!”
“Eu não trouxe a sacarina. Cadê o potinho?” indagou o Américo que, tomando o recipiente das mãos do Batista gritou indignado:
“Filho da puta! Isso é purgante que minha sogra esqueceu lá em casa. Eu ia passar na casa dela hoje para entregar pois ela sofre de prisão de ventre!”
E foram tantas as paradas na volta que levaram quase 5 horas para chegar em Porto Alegre.
E no dia seguinte, uma grande multinacional não teve uma só caixa de seus produtos vendida na Grande Porto Alegre. Toda equipe de vendedores estava impossibilitada de trabalhar por uma caganeira incontrolável.

Um comentário: