sábado, 21 de novembro de 2009

Oratório

Quando soube da transferencia, Rui quase caiu pra traz. Nunca lhe passara pela cabeça sair do pago. Gaúcho de quatro costados, adorava o Rio Grande do Sul, Porto Alegre e o Internacional.
Como daria a noticia a Terezinha? A mulher já tinha sido taxativa.
“No dia que tiveres que sair de Porto Alegre, podes pedir demissão. Ou vais sozinho. Eu e as crianças ficamos aqui!”
Mas as condições que a Companhia lhe oferecia eram irrecusáveis. Gerencia da filial de Recife, um salário polpudo, ajuda de custo para o aluguel, mudança paga e mais algumas vantagens. E depois, deixaram-lhe a possibilidade de um retorno entre três a cinco anos, caso seu trabalho na filial de Recife satisfizesse a diretoria.
Era um grande salto para quem, a pouco menos de cinco anos, vendia livros de porta em porta. Quando leu nos classificados de “Zero Hora” que aquela empresa, uma das maiores do pais, naquele ramo, precisava de vendedores, jamais pensou que seria aceito. Mas, mesmo assim, apresentou-se. Eram muitos candidatos.
Índio de boa presença, dono de uma simpatia impar e de uma conversa cativante, caiu nas graças do entrevistador que selecionou-o, juntamente com outros poucos, para um teste. Saiu-se bem e ei-lo, dias depois, contratado para atuar na área da grande Porto Alegre.
Parecia um sonho. Sua vida mudara desde então. Uma casa melhor, um bom carro, os filhos numa boa escola. Tudo perfeito. Perfeito demais. Agora, aquela bomba. Ir morar no nordeste. Como seria por lá?
Todos esses pensamentos vinham à tona enquanto Rui se deslocava para o escritório, no Recife. Parecia incrível. Oito anos já se haviam passado desde então. A família, agora morando em Olinda, perto da praia, não queria nem falar em voltar pro Sul. Só a passeio. Os filhos, já adolescentes, haviam perdido o sotaque de gaúchos, falavam com o chiado característico dos pernambucanos e cantado como se nordestinos fossem. Terezinha, sempre bronzeada, acostumara-se com a cozinha nordestina, aprendera a fazer uma moqueca como ninguém e já nem tinha o habito do chimarrão. Só os parentes e o amor ao Inter ainda ligava o Rui e a família ao Rio Grande.
Como antes, tudo parecia perfeito. Perfeito demais. O ciúme de Terezinha era o único porém. O clima da região, a proximidade do mar, as corridas na beira mar mantiveram a boa aparência do Rui, agora melhorada pelos cabelos grisalhos nas têmporas. Seu tipo físico, muito alto, e o sotaque diferente, aumentavam seu sucesso entre as mulheres. E, afinal, o Rui sempre fora chegado ao artigo. Mesmo quando era pobre e vendia suas enciclopédias, de porta em porta, de vez em quando arriscava passar a lingüiça fora da farinheira. Agora então, nem se fala. Virara um sátiro.
Não entendia essa da Terezinha querer acompanhá-lo na próxima viagem. Tinha que ir a João Pessoa e Natal. Iria de carro, na companhia de um supervisor, visitando os maiores clientes da Paraíba e do Rio Grande do Norte. E ela queria ir junto. Porque?
O que o Rui não sabia é que a Terezinha soubera de um cacho seu num lugarejo chamado Oratório. Era um povoado pequeno onde o Rui, de passagem, conhecera uma funcionária de uma farmácia onde comprara uns comprimidos. Do balcão da farmácia para a cama, foi um pulinho. E o Rui, de vez em quando, dava uma volta pela região, não para ver como iam os negócios de seus vendedores. Estava mas interessado nos “negócios” da jovem vendedora. E com a Terezinha viajando junto, não ia nem passar na frente da farmácia.
No dia seguinte, já na estrada, ficou mais intrigado ainda quando Terezinha sentou no banco traseiro, deixando o lugar ao seu lado para o Raimundo, o supervisor de vendas.
“É para vocês ficarem mais a vontade. Podem conversar sobre os negócios. Não quero atrapalhar!” – dissera a mulher. Foram suas únicas palavras desde o começo da viagem.
“Porque, diabos, ela esta tão emburrada? Eu não fiz nada!” – pensava o Rui, inocentemente, como se inocente fosse.
Terezinha só abria a boca quando chegavam a alguma cidade.
“Que cidade é essa?”- queria saber a mulher.
Rui ou Raimundo respondiam, davam o nome da cidade e a mulher calava-se outra vez.
E assim, seguiu a viagem.
“Goiana! Alhandra! Santa Rita! Mamanguape! ...” Rui e Raimundo revezavam-se na informação quando, a cada nova cidade, Terezinha renovava a pergunta:
“Que cidade é essa?”
“Santuário!” – apressou-se Rui em responder, sem ligar para o olhar do Raimundo.
Quando estavam quase em Parnamirim, Terezinha viu a placa, à margem da estrada: NATAL – 38 KM
“Já estamos chegando em Natal? Não passamos em Oratório?” – perguntou.
“Passamos. Faz tempo!” – respondeu o Rui.
“Como é que tu não me falaste? Me lembro que passamos em Santuário. Oratório nós não passamos!”
“E então? Oratório, Santuário... em todos dois dá para rezar. Tanto faz. É tudo a mesma coisa!”
E na volta mandou a mulher de avião.

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