sábado, 21 de novembro de 2009

O Espirro

Naquela manhã fria Carlos levantara-se cedo. Tivera uma péssima noite. Mal amanheceu o dia, pulara da cama e, antes mesmo de lavar-se, acendera o primeiro cigarro. Vício desgraçado! Além da tosse constante, com a chegada do frio, tinha sido acometido de uma rinite que o sufocava. Acordava sempre constipado, sem ar. “Hoje vou ao médico!” Era a decisão que tomava todas as madrugadas quando acordava sem poder respirar, com a boca seca e a garganta ardendo. Mas era só chegar no escritório e aquilo lhe saia da cabeça.
Hoje tinha uma visita importante para fazer, numa rede de supermercados de médio porte de Porto Alegre. Tinha que fechar um bom negócio. Comprometera-se com seu gerente e seu vendedor confiava nele.
Saiu de casa sem tomar café. Quando estacionou na Lucas de Oliveira, em frente ao escritório, percebeu que o Ronaldo, o administrativo da Regional já havia chegado. Ótimo! Dona Estela já deveria estar na cozinha providenciando um cafèzinho.
Desceu do carro espirrando e atravessou o pequeno pátio procurando um lenço nos bolsos. “Merda!” Com uma coriza dessas, o nariz parecendo uma torneira e esquecera-se de pegar um lenço. Afobado, fungando, entrou e dirigiu-se ao Ronaldo:
“Bom dia! O jornal já chegou?” E antes de obter resposta, passou a mão no vespertino que estava sobre a escrivaninha e dirigiu-se à sua sala.
Após uma rápida passada de olhos nas manchetes, sorveu avidamente o café fresquinho e fumegante que a servente lhe trouxera. Acendeu mais um cigarro e tentou concentrar-se nos argumentos que usaria durante a entrevista que teria dentro de mais uma hora. Seu cinzeiro estava abarrotado de pontas e cinzas do dia anterior e o odor que dali exalava repugnava-o.
Porque a dona Estela não começava a limpeza pela sua sala? Já lhe pedira um cem número de vezes.
Saiu da sala e perguntou ao Ronaldo:
“Que horas o Léo ficou de passar aqui para me pegar?”
O rapaz olhou-o, arregalou os olhos, já enormes e aumentados pelas grossas lentes e respondeu-lhe com outra indagação:
“O senhor não lembra que combinou de encontrar-se com ele lá, na sala de espera?”
“Puta merda, esqueci!”
Olhou o relógio. Faltavam 15 minutos para as 9 horas.
“Ronaldo, me consegue um pedaço de papel higiênico ou alguns guardanapos de papel. Estou gripado e não tenho lenço.”
Voltou para a sala, pegou a pasta e saiu correndo, entrando no carro e dando partida sem notar que o secretário surgia na porta, acenando com um punhado de papel na mão.
Em plena 24 de Outubro, após um acesso de espirros que lhe salpicou o parabrisa e o painel do carro, foi que percebeu que continuava não tendo como limpar-se. “Merda!” – praguejou. Na sinaleira assoou o nariz e ficou olhando para os lados procurando algo para limpar a mão. O jornal do dia anterior jazia amassado, no piso do carro, sob o banco do carona. Debruçou-se, tentou pegá-lo, esticou-se todo, quando conseguiu alcançá-lo, o sinal abriu e as buzinas assustaram-no. Ergueu-se rápido pondo a mão na direção e percebeu que lambuzara todo o volante. “Merda!” repetiu e, ao mesmo tempo em que arrancava com o veículo, tentava limpar o volante esfregando-o com as mãos. “Que porcaria!”
Alguns minutos depois estava no estacionamento do cliente. Desceu empunhando a pasta e viu o Léo, seu vendedor, acenar alegremente ao vê-lo. Puxa-saco! Sempre pegajoso, querendo arrumar um jeito de se sobressair!
Entrou na sala de espera, sentou-se e, entre inúmeros fungados (maldita rinite!), em rápidas palavras explicou ao vendedor os argumentos que deveria usar para fechar o negócio.
Feito isto, pegou uma das velhas revistas, tantas vezes manuseadas, que havia sobre uma mesinha e fingiu interesse na leitura na esperança de ser deixado em paz. Não estava afim de papo.
De lá de dentro do nariz começou a sentir uma coceirinha ao mesmo tempo em que via, ao fundo do corredor, uma porta se abrir e um jovem carregando uma pasta executiva despedir-se.
A recepcionista anunciou:
“Sr. Carlos, pode passar!”
Neste momento, sentiu que o espirro vinha vindo. Procurou nos bolsos inutilmente algo com que pudesse segurar a carga que, fatalmente, acompanharia o espirro. Lembrou-se do que havia acontecido no carro, o estado em que ficara o volante.
Para seu horror a porta ao fundo do corredor se abrira novamente e o comprador apareceu. Parecia que viria recebê-lo. Tentou respirar fundo na vã tentativa de deter o espirro. Inútil.
Espirrou de forma avassaladora, apesar do esforço de conter-se. Com a mão direita tentou evitar que o muco se espalhasse ao seu redor, respingando tudo a sua frente. Sentiu a mão encher-se de uma substancia viscosa, quente e úmida.
Para seu horror, o cliente vinha se aproximando com um sorriso de boas vindas. Enfiou a mão no bolso do casaco, esfregou-a rapidamente tentando limpá-la e, sem outra alternativa, teve que estende-la ao encontro da mão que o cumprimentava .
Seu vendedor viu que as mãos do chefe se assemelhavam a pata de um marreco, com uma gosma grudenta ligando os dedos uns aos outros. E quando as duas mãos se encontraram, no que deveria ser um efusivo aperto de mão, percebeu, pelo olhar atônito do cliente, que sua esperança de uma comissão polpuda naquele mês estava irremediavelmente perdida. Qual uma banana de dinamite, o espirro do seu chefe mandara o negócio pelos ares.

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