sábado, 21 de novembro de 2009

Moreno

Eleutério era uma pessoa digna de admiração. De origem humilde, trabalhou desde cedo e concluiu o primeiro grau a duras penas. Ainda muito novo precisou, com seu trabalho, auxiliar no parco orçamento doméstico. Seus pais, apesar de pobres, deram-lhe uma ótima educação, criando-o dentro de princípios rígidos de moralidade e bons costumes.
Tornando-se adulto, mudou-se para Porto Alegre e lá aprendeu o ofício de alfaiate que desempenhava com maestria. Conheceu a Suely, apaixonaram-se e casaram-se, indo morar numa modesta casinha no bairro São Geraldo.
Bem apessoado, comunicativo e educado, Eleutério angariou a simpatia de muitos clientes da alfaiataria, em particular do Sr. Valter, um representante comercial que viu naquele jovem qualidades que ele próprio não descobrira.
Um dia, após provar um terno, convidou o Eleutério para tomar um chopp na Cristóvão Colombo e lá, entre goles fartos e porções de picadinho, falou-lhe das amplas possibilidades de progresso pessoal e financeiro que a profissão de vendedor poderia proporcionar a uma pessoa como ele.
Entusiasmado com a oportunidade que se lhe apresentava, Eleutério aquela noite mal dormiu. No dia seguinte, muito cedo, saiu de casa mas não foi à alfaiataria. Dirigiu-se ao escritório do Sr. Valter e, após conhecer os produtos que venderia e sua área de atuação, tomou a decisão: iria se tornar vendedor.
Encurtando nossa história, Eleutério progrediu muito nessa nova área. Destacou-se entre seus colegas e logo tornou-se um campeão de vendas.
“O Negão tá ficando rico! Viu o carrão que ele comprou?” – comentavam os vizinhos com indisfarçável inveja.
Sim senhores. O Eleutério era mulato. E isso o tornava infeliz. A cor e o nome.
“Eleutério! Onde meu pai arrumou esse nome?” Tanto isso o desgostava que só se apresentava pelo sobrenome. “Prazer! Santos!” E pelo sobrenome tornou-se conhecido. Quase que esquecia o prenome que abominava.
Quanto à sua tez, nada havia a fazer. Mas sempre que alguém o chamava de Negão ou Preto protestava: “Eu não sou preto, sou MORENO!” dizia enfatizando a última palavra.
Como era querido por todos, respeitavam-no e procuravam não melindrá-lo no que, no fundo, achavam ser uma grande tolice do “Negão”.
Um belo dia, seus parentes, residentes no interior, leram na Folha da Tarde, hoje extinta, a notícia de um assalto com tiros a um armazém de um bairro de Porto Alegre. E estampado na página policial aparecia o Eleutério com a camisa suja de sangue. Mas o que o jornal não explicava é que nosso herói não havia se machucado e que as manchas eram decorrência de sua tentativa de socorrer um ferido.
Preocupados e ansiosos por notícias, mandaram-lhe um telegrama com o seguinte teor:
“Soubemos do assalto Pt Informe se foi ALVEJADO Pt Mande notícias”
Dias depois receberam a resposta indignada do Eleutério:
“Estou bem Pt. Continuo MORENO”
Até hoje não entenderam.

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