quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Castigo

Foi com alívio que Sidney estacionou em frente ao hotel, em Rio Grande. Estava quase anoitecendo e o cansaço começava a afetar-lhe o ânimo. Não era para menos. Saíra de Porto Alegre de manhã cedo e viera trabalhando, visitando diversos clientes, desde Camaquã até Pelotas. Decidira dormir em Rio Grande pois tinha hora marcada no dia seguinte, em seu principal cliente do sul do Estado. Estava tão cansado que não iria nem jantar. Depois de um bom banho quente, pediria qualquer coisa para comer no apartamento mesmo.
Foi quando percebeu o movimento incomum na frente do hotel. Muitos carros parados, equipe da RBS TV, uma multidão de jovens, na qual sobressaiam-se as moças aos gritos, muitas delas portando bandeirinhas do Grêmio.
“O que diabo está acontecendo?” - pensou, enquanto tentava infiltrar-se entre as pessoas, abrindo passagem até o “hall” do hotel.
Depois de passar com dificuldade, enfrentando o empurra-empurra, largou as malas em frente ao balcão da recepção. Um sujeito baixinho, com a gravata torta que parecia asfixiá-lo, aproximou-se:
“Às suas ordens, senhor!” – falou mecanicamente, com a atenção voltada para a porta, onde dois mensageiros tentavam conter a invasão da multidão.
“Eu queria um apartamento!” – disse o recém chegado, intrigado com aquela confusão.
“O senhor tem reserva?” – respondeu o baixinho, ainda prestando atenção à porta.
“Não. Não me preocupei em providenciar. Achei que...”
“Sinto muito, senhor. O hotel está lotado. O senhor sabe!... o jogo, a delegação do Grêmio, os repórteres... !”
Sidney lembrou-se. Ouvira no rádio. O estádio de Pelotas estava interditado e o jogo entre o time daquela cidade e o Grêmio havia sido transferido para Rio Grande. Não lhe passou pela cabeça telefonar e fazer uma reserva. E agora?
“O Senhor pode se hospedar em nosso hotel, no Cassino. Eu posso ligar avisando!” – veio o baixinho em seu auxílio. Não lhe restava outra alternativa. Concordou com um aceno, agradeceu e retornou ao carro, não sem antes ser novamente empurrado, espremido e sacudido pelos gremistas que, aos gritos, saudavam seus ídolos, olhando para cima, na esperança de ver um dos atletas nas janelas dos apartamentos.
Em poucos instantes estava na estrada sinuosa que liga Rio Grande à praia do Cassino. Apertou o pé no acelerador, sem dar-se conta que já havia ultrapassado o limite de velocidade permitido naquela rodovia.
Ao sair de uma curva, viu a viatura da Polícia Rodoviária. Não houve tempo para qualquer reação. O patrulheiro já se encaminhava para o meio da estrada, acenando energicamente para que parasse o carro.
Enquanto estacionava no exíguo acostamento, lembrou-se das multas pesadas e dos pontos acumulados em infrações anteriores. Estava com 19 pontos e o montante das multas era de R$ 1.200,00. O guarda se aproximava com o fatídico talão na mão. Excesso de velocidade, bem além dos 20% permitidos... a multa seria de mais R$ 540,00 e mais 7 pontos na carteira. Ultrapassaria os 20 pontos. Teria a carteira de habilitação cassada. Não poderia mais viajar. Perderia o emprego.
“Tou fudido!” – pensou.
O guarda estava ao lado do carro fazendo sinal para que baixasse o vidro. Tinha que pensar em algo, rápido.
“Boa tarde, senhor. Os documentos do carro e sua habilitação, por favor!”
A voz do guarda pareceu-lhe distante. Permaneceu estático, olhando para frente. Virou-se para o militar e falou, tentando dar veracidade e firmeza às palavras:
“Seu guarda, pelo amor de Deus, me despacha ligeiro que eu tou me cagando!”
O policial franziu o cenho e, como se nada tivesse ouvido, repetiu:
“Os documentos do carro e sua habilitação, senhor!”
Sidney entregou-lhe o porta-documentos rapidamente, engatou o carro e disse:
“O senhor fica com isso aí, faz a multa que eu vou até o hotel dar uma cagada e já volto!” – e fez menção de partir.
“O senhor não pode trafegar sem documentos!” – berrou o guarda, tentando impedi-lo de arrancar.
“Então eu vou me cagar! Eu vou me cagar!” – gritou mais alto, agitando os braços e fazendo a cara mais aflita desse mundo.
O policial virou-se para seu superior que, do outro lado da estrada, a tudo assistia, como a pedir-lhe ajuda. O pobre guarda não sabia o que fazer.
“Deixa ele ir. É uma emergência!” – falou o sargento, encolhendo os ombros.
“O senhor pode ir. Mas dirija com cuidado!” – disse o policial, estendendo-lhe os documentos.
Sidney arrebatou-lhe os papéis, atirou-os no banco do carona, acelerou e arrancou cantando pneus, ao mesmo tempo que gritava:
“Obrigado seu guarda. Deus o abençoe!” – e disparou estrada afora.
Quando saiu do campo de visão dos policiais Sidney explodiu na gargalhada. Riu até as lágrimas, parabenizando-se por sua esperteza. Escapara de levar uma multa.
“Eu sou um gênio!” – congratulava-se em pensamento.
Ainda ria quando parou na frente do hotel, já em Cassino.
Entrou no hotel rindo, de forma incontida, para admiração dos recepcionistas. E ainda ria ao fazer o check-in. Riu tanto, mas riu tanto que cagou-se todo em plena recepção do hotel.
Foi castigo.

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