quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Flagra

Beto quase babou quando viu a morena na parada de ônibus. Diminuiu a velocidade, passou devagarzinho, encarando a moça. Ela retribuiu com um olhar maroto. Enquanto dava a volta na quadra, começou a arquitetar uma desculpa para chegar tarde em casa.
No relógio do painel passavam quase dez minutos das 17 horas. Era cedo. E já começara o horário de verão. Deixaria a última visita do roteiro daquele dia para amanhã. Assim teria tempo de sobra para fazer um programinha e, se não se demorasse muito, ainda chegaria em casa ao final da novela. A mulher nem notaria. Estava acostumada a seus atrasos, de vez em quando. O problema é que ainda estava muito claro. Poderia ser visto por alguém conhecido. Mas quem não arrisca...
Para sua alegria não passara nenhum coletivo enquanto contornara o quarteirão. A guria ainda estava lá. Mal parou o carro, ela aproximou-se com um sorriso cheio de promessas. Era bonitinha, a danada. Quando se debruçou, deixou que o Beto apreciasse o generoso decote que permitia uma visão maravilhosa.
“Está sem sutiã, a ordinária!”
Não foi preciso muito papo. Após uma rápida troca de palavras, ela aceitou o convite e acomodou-se ao lado do Beto, deixando que um gostoso perfume invadisse o interior do carro.
Enquanto iniciava o papo, Beto pensava rápido onde a levaria. Teria que ser um lugar onde pudesse ficar em segurança. Talvez ela quisesse tomar alguma coisa antes de partirem pros finalmentes.
Já saiam do centro da cidade e rodavam pela avenida em direção ao bairro quando o Beto levou o maior susto. Não era possível. Pela calçada, vestindo um prosaico abrigo e fazendo sua costumeira caminhada, lá vinha sua sogra. A velha e sua ridícula mania de se manter em forma. E estava indo cada vez mais longe, a megera. Devia estar a uns 4 quilômetros de casa.
Acelerou o carro na esperança de não ser visto. Quanto mais rápido se distanciasse, menos chance teria de ser flagrado. Ficou cuidando pelo retrovisor e viu que a velha deu uma paradinha, voltou-se e ficou observando seu carro se afastando. Estava frito. E agora?
Começou a pensar, procurando uma saída daquela enrascada em que se metera.
“Puta que pariu, a Letícia vai arrasar comigo!” A mulher era braba que nem um siri dentro duma lata. Puxara à bruxa da mãe. O pobre do seu sogro pagara os pecados convivendo com o diabo da velha, coitado. “Que Deus o tenha!”
Nem se lembrava mais de dar atenção à moça que, a seu lado, falava pelos cotovelos. Nem sabia o que ela estava dizendo. Tinha que livrar-se dela. Não adiantava mais pensar em levar avante aquela empreitada. Depois daquele cagaço, provavelmente negaria fogo na hora H.
Parou o carro, inventou uma desculpa esfarrapada enquanto a jovem o olhava sem entender.
“Que foi, bem? Não gostaste de mim? Nem chegamos a falar no preço!”
Ainda por cima era prostituta, a infeliz.
“E eu pensando que estava agradando. Que ela topara porque gostara de mim. Eu sou uma besta mesmo!”
Nem quis mais conversa. Abriu a porta do carro e quase empurrou a china pra fora. A mulher ficou falando sozinha enquanto ele arrancou, cantando pneus. Tivera uma idéia maluca. Tinha que ser rápido.
Parou na frente de casa, entrou e, tentando aparentar calma, falou:
“Dei com a cara na porta. O último cliente de hoje viajou. Por isso vim cedo para casa. Está quente, né? Não quer sair e tomar um sorvete?”
A mulher adorou o convite.
“Podemos passar no shopping, olhar umas vitrines!”, disse ela.
“Melhor que a encomenda!” – pensou o Beto.
Propositadamente tomou o mesmo caminho, tendo o cuidado de desviar da rua onde deixara a guria aquela.
Passou pelo ponto onde vira a sogra com a mesma velocidade de antes, com a certeza que, aquelas alturas, a velha já estaria longe. Tudo estava indo bem.
Tomaram sorvete, deram uma volta no shopping, o Beto até pediu a opinião da esposa. O que ela acharia se ele comprasse umas roupas daquelas, da moda, para aquele verão?
Quando voltavam para casa Beto sugeriu:
“Vamos passar na casa de sua mãe? Fica no caminho!”
Ficou com medo que a mulher estranhasse pois jamais fizera aquilo. Sempre evitava ir na casa da sogra mas tinha que fazer isso para seu plano dar certo.
A velha abriu a porta, olhou-o como se visse o capeta na sua frente. Abraçou a filha e, antes que ela abrisse a boca, o Beto falou:
“Boa tarde, dona Olívia. Fomos ao shopping passear e, como estávamos perto...”
Pronto. Viu a dúvida no olhar da sogra.
“Ah! Eram vocês? Eu vi o carro do Beto quando passaram. Estava caminhando, como sempre faço. Até pensei...”
“Que pena. Nós não a vimos. Também, o Beto corre tanto, não sei pra que. O que a senhora pensou, mamãe?”
“Nada, nada, Bobagem minha!”
Beto respirou aliviado. Felizmente se lembrara que a Letícia lhe falara, na hora do almoço, que a mãe quebrara os óculos.
Bendita miopia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário