quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A Cigana

Marcão, Nilson e Cadú eram bons amigos. Apesar de residirem em cidades diferentes, atuavam na mesma região e, invariavelmente, seus roteiros coincidiam pelo menos a cada duas semanas. Pernoitavam no mesmo hotel, jantavam quase sempre juntos e, por incrível que pareça, torciam pelo mesmo time de futebol. Tudo isso fez com que se aproximassem e iniciassem uma bela amizade.
Marcão era gordo, bonachão, muito comunicativo e irreverente, amante de um bom prato e de uma cervejinha gelada.
Nilson era o oposto. Magricela, baixinho, de poucas palavras, quase tímido. Era de admirar que tivesse se tornado vendedor. Diante de um cliente, no entanto, mudava completamente.
Conhecia como poucos seus produtos, sabia como dirigir uma negociação e induzir os compradores mais difíceis a aceitar sua argumentação. Era um grande profissional.
Cadú, o mais jovem dos três, em idade e tempo de profissão, buscava, no contato com os amigos, absorver a experiência de Nilson e a simpatia de Marcão.
E lá estavam os três saindo do restaurante de costume. Dirigiram-se à praça em frente para sentar no mesmo banco de sempre. Lá continuariam o papo, entrecortado por gargalhadas. Marcão adorava contar piadas e seus amigos eram espectadores e ouvintes certos. Tinha um vastíssimo repertório de anedotas e muita presença de espírito. Sempre tecia um comentário jocoso nas mais variadas situações, para alegria dos que o acompanhavam.
Mas aquele não era um dia como outros. Nilson e Cadú notaram que o amigo comera pouco e bebera apenas uma água mineral, dispensando a cerveja que o garçom, com um largo sorriso, lhe trouxera.
“Não estou legal. Alguma coisa que comi não me fez bem. Estou com muitos gases!” -justificara-se diante do olhar interrogativo dos amigos.
Nilson estava aflito com a mudança no comportamento do Marcão. Tentando animá-lo, comentou:
“Daqui a pouco começam a passar as gurias, Marcão!”
De fato, já estava quase na hora da saída dos alunos de um cursinho pré-vestibular que funcionava ali perto. O Marcão adorava soltar piadas, quase sempre de gosto duvidoso, para as moças. Mas parece que nem mesmo isso o animava. Permanecia sentado, calado, passando a mão na barriga.
Foi quando a cigana aproximou-se. Começou propondo ler-lhes as mãos para descobrir os mistérios e surpresas que o futuro lhes reservava. Nenhum dos três deu-lhe atenção e tentaram livrar-se dela. Mas a mulher não desistiu. Prometeu ensinar-lhes uma simpatia que os tornaria irresistíveis às mulheres em troca de uns poucos reais. Os três já estavam irritados e quase partindo para a ignorância quando ela lhes falou que sabia uma oração para “fechar o corpo”, deixando, a quem acreditasse, imune não somente a armas de fogo e arma branca, como também à inveja, maldições e ao azar.
O Marcão levantou-se e disse:
“Isso me interessa. Ando numa fase ruim e sabe-se lá se essa oração não poderá me ajudar!”
Os amigos, surpresos ao descobrirem esse lado esotérico do companheiro, pensaram em pilheriar a respeito mas, tal era a seriedade estampada no rosto do Marcão, que desistiram do intento.
A buena-dicha não se fez de rogada. Depois de acertado o preço, pôs-se a murmurar palavras desconexas, numa língua ininteligível enquanto, com as mãos, afagava cabeça, braços e mãos do Marcão que, impassível e de olhos cerrados , submetia-se ao ritual, indiferente aos olhares curiosos dos passantes.
Depois de alguns minutos recitando aquela cantilena, a mulher desceu as mãos lateralmente ao longo do corpo do rapaz, ergueu-se, deu-lhe um tapinha no ombro e falou:
“Pronto meu filho. Deste momento em diante teu corpo está fechado, protegido de teus inimigos e de todo o mal que te possam desejar. E não há bala ou arma branca que possa ferir-te porque teu corpo está fechado por mim!” – repetiu a cigana.
Marcão abriu os olhos, olhou a mulher fixamente e perguntou:
“Está fechado? Posso acreditar nisso?”
“Minha oração é forte meu filho. Te garanto que teu corpo está fechado!” – repetiu novamente a mulher, já com a mão estendida, aguardando a recompensa previamente combinada.
Marcão, como que subitamente curado da indisposição que o amolava, com a cara mais ordinária do mundo, olhou rindo para a pobre cigana, levantou a perna, soltou um sonoro peido e, berrou:
“Fechado porra nenhuma. Ainda tem um buraco aberto!”
E afastou-se, seguido pelos amigos às gargalhadas, indiferentes aos gritos e impropérios que a mulher, enlouquecida de raiva, desfiava.

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